domingo, 9 de novembro de 2008

Resiliência

Kris Carr é uma jovem atriz americana. Tem 37 anos, é bonita, inteligente, sexy. Faz documentários interessantes, incentiva hábitos saudáveis de vida, luta por causas sociais, ambientais e culturais. É casada, vive feliz com seu marido, pratica yoga e também é vegetariana. É conhecida em boa parte do mundo, mantém um blog visitadíssimo, possui um site idem e lançou um livro que virou referência de luta para milhares de pessoas. É uma grande mulher, sem dúvida, do tipo que todo homem gostaria de ter ao seu lado. Ah... já ia me esquecendo de dize ... Kris tem um câncer incurável.

Para muita gente, o início do parágrafo anterior não combina com aquela doença ao final. Parece que há algo errado na estória, que juventude, beleza, inteligência e sucesso não combinam com doença ou fracassos de qualquer tipo. Soa como algo injusto, fora de tempo, inoportuno.

Kris Carr também achou que o câncer incurável era algo fora do contexto de sua vida. Assimilar uma situação assim leva algum tempo, exige uma digestão dos fatos. Kris foi diagnosticada com a doença em 2003, quando ficou sabendo que tinha um tipo incurável de câncer no fígado (ver notas de rodapé).

O susto é regra nesses momentos e a reação negativa inicial também... afinal, que estória é essa de tirarem minha vida tão cedo? Talvez Kris não tenha encontrado resposta para essa pergunta, mas certamente descobriu que possui um talento especial, tão especial que até o nome é estranho: resiliência.

Inicialmente formulado como um conceito da Física, o termo resiliência é pouco conhecido fora do mundo acadêmico. Na verdade, é um conceito ainda novo para a maioria das ciências. Fisicamente definindo-o, é a propriedade que alguns materiais possuem de voltarem ao estado normal após submetidos à máxima pressão ou deformação.

Tomado como empréstimo por áreas como Psicologia e Administração, o termo tem sido utilizado para definir um tipo positivo de comportamento humano, além de explicar alguns de superação em diferentes organizações. Em geral, "resiliência" significa a capacidade que pessoas e organizações possuem para lidar com problemas de forma pró-ativa, superando dificuldades aparentemente sem solução, sem se deixarem abater, sem culparem ninguém por isso e - principalmente - acreditando que sempre é possível superar o obstáculo que encaram.

Para alguns estudiosos, resiliência é algo inato ao ser humano, mas que nem todos desenvolvem... ou não têm a chance de desenvolver. É uma virtude, sem dúvida, e pode ser praticada cotidianamente, pacientemente, forjando a personalidade humana para resistir às mais diferentes adversidades.

A primeira vez que me deparei com palavra resiliência foi em 2000, num curso sobre gestão de organizações não-governamentais. ONGs são especialmente reconhecidas por lutar não só contra problemas que afetam o mundo, como também com as próprias dificuldades financeiras e administrativas para manter suas lutas ativas. São consideradas organizações resilientes por suas lutas contra a fome, a desigualdade social, pelos direitos humanos, pela proteção à natureza, dentre outros. Fazem isso com escassos recursos, com a disposição inabalável de seus líderes e voluntários, com a solidez dos ideais que as sustentam.

Comecei a trabalhar em ONGs logo após formado, tanto voluntária quanto profissionalmente. Conforme me envolvia com esse mundo, passei a melhor entender o significado prático do conceito apresentado naquela aula. Sabia o que representava aquilo no dia-a-dia de uma organização, mas não imaginei que também teria que aplicar a resiliência em minha própria vida.

Hoje compreendo exatamente o que essa significa andar por essa estrada. Posso dizer que é uma estrada estranha, às vezes difícil de percorrer. Mas quando se anda por ela, aprende-se a seguir em frente mesmo quando a força quase acaba. Aprende-se, especialmente, a exercitar a coragem a cada metro percorrido.

Assim como quase todo ser humano, viajei bastante por essa estrada até agora. É assim que desenvolvemos perseverança e auto-confiança. Meu olhar mudou, minha percepção de mundo não é mais a mesma e tudo isso só me trouxe vantagens. Procuro mostrar isso para outras pessoas, tento alertar aquelas que ainda não encontraram sua própria resiliência. E sou feliz porque me foram dadas condições para perceber isso, pois é com essa resiliência que pretendo mudar um pouco de mim e do mundo.

Se pudesse lhe dar um conselho, diria para exercitar sua resiliência o mais rápido possível. Não espere que uma situação mais desafiadora a desperte, como ocorre com frequência. Muitas pessoas começam a descobrir que conseguem superar dificuldades quando passam por elas, não antes. Porém, antecipar-se nesse jogo é importante. A resiliência pode ser exercitada com mais confiança, mas auto-estima, com a prática de ações que ajudem o próximo. A resiliência possibilitará que você ajude a si mesmo, que ajude ao próximo, que ajude o mundo. Se fizer isso, vai beneficiar muita gente, a começar por você.
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Notas
1. Contrariando todas as previsões, Kris Carr está viva cinco anos após o diagnóstico de câncer. É um caso que vem desafiando a medicina tradicional.

2. Site de Kris Carr: http://www.crazysexycancer.com/

7 comentários:

  1. Lá vai mais um texto quilométrico.. como vc diz... :)

    Ok, vou ter que responder a certa “provocação” e comentar aqui, tentando ser impartidária... :)

    Como discorrem algumas correntes folosóficas, científicas e religiosas, estou convencida de que a força vital é oriunda do espírito e estritamente ligada a esse Dom maravilhoso de se cultivar a resiliência. Tive oportunidade de conhecer pessoas assim... Não há doença, susto ou tragédia que derrube quem consegue enxergar a vida por esse prisma.

    Minha mãe tem uma amiga que tem câncer há 20 anos, espalhado pelo corpo todo... É a pessoa mais forte que eu conheço. Cuidou e enterrou o marido e a melhor amiga, que morreram ainda no princípio do mesmo tipo de câncer. Já teve duas EQM‘s (Experiência de Quase Morte) e fala com a maior convicção sobre a inexistência da morte para as pessoas... (Ah, vale lembrar que ela se recusa a fazer qualquer tipo de tratamento quimioterápico e cirúrgico, tratando-se apenas através da alimentação, phyto, hemo e cromoterapia, pois acredita que os tratamentos tradicionais seriam ainda mais prejudiciais, como foram ao marido e a amiga).

    Curiosamente, semana passada elogiava uma aluna quarentona pela sua beleza encantadora (ela realmente parece uma bonequinha), quando a própria revelou-me que estava em tratamento de quimioterápico, que havia se divorciado há pouco e o castelinho que construiu a vida toda se desmoronou de repente... Sua beleza é de fazer inveja a qualquer menina de 20 anos... Ela mesma antecipou-me o assunto dizendo que tem aprendido muito com a doença, sofreu sim, mas hoje é uma mulher muito melhor do que antes, hoje vive cada momento e sua beleza como nunca havia feito.
    (E isso me lembrou de alguém... uma estória que ela amou e dou a maior força pra que desse certo... estória que poucos compreenderiam ou encorajariam devido às circunstâncias)

    Preciso dizer que acredito que seja uma característica inerente ao espírito, que pode ser desenvolvida sim, a própria vida pode obrigar as pessoas a desenvolverem-na, entretanto nem todos conseguem, ou conseguem tardiamente.

    Não preciso ir muito longe para ver todos os dias pessoas amarguradas e presas ao passado, às coisas materiais, às decepções familiares ou amorosas. Presas às frustrações insistentes que assombram quem não tem olhos pra observar a beleza de nada e nem de ninguém, esquecendo-se de que embora sejamos diferentes, somos todos humanos e nossas fraquezas são sim basicamente as mesmas. Se um passa por privações materiais outro sofre privações afetivas, se um sofre privações fisiológicas outro sofre privações pelo excesso de permissões...

    Conheci pessoas paupérrimas e invejavelmente felizes... Conheci ricos tristemente deprimidos...

    O Ser Humano está sempre sofrendo... Em maior ou menor grau, ainda assim é sofrimento.
    “... Feliz é aquele que tem oportunidade de conhecer Deus sem ter passado por uma situação extrema de sofrimento, porque isso é muito raro” - disse o padre à minha aluna...

    As perguntas são: “- O que fazer diante dessa situação? Como vou escolher agir agora? Quanta energia eu quero dispendiar nesse processo?”, que para muitos não precisa ser a dor de estar à beira da morte, mas perder um amor, um emprego, um ente querido...

    Para lidar com essas questões e situações, noções de aceitação são pregadas por diversas religiões. A primeira nobre verdade do Budismo, "a vida é sofrimento", convida as pessoas a aceitarem que o sofrimento é uma parte natural da vida, enquanto a Doutrina Espírita diz que a humanidade sofre, em geral, porque se esquece de que tudo o que se refere à matéria e ao corpo é transitório, além de, claro, estar em processo de resgate cármico, sugerindo a resignação como alternativa para aceitar o inevitável e conseguir ser feliz apesar dele.

    Só posso achar que o maior tesouro que podemos ter nessa adorável e por tantas vezes difícil vida é a felicidade, entretanto saber cultivá-la é uma verdadeira Arte, pois ela pode ser composta por momentos, a alegria é um dom do Espírito: É preciso ser cultivada para aprendermos a colher as gotas de felicidade que nos são presenteadas diariamente. Estou certa de que é algo que deve ser trabalhado internamente, por que se não o fizermos perderemos oportunidades de sermos felizes o tempo todo.

    “A Arte da Felicidade”, livro do Dalai Lama no qual ele discorre exatamente sobre a importância de se cultivar sentimentos de compaixão, generosidade, fé, amor... Explica como o cultivo desses sentimentos muda nossa forma de enxergar a vida e as situações.

    Essa tal resiliência sempre me foi tão natural que por diversas vezes questionei-me se era eu a errada nas situações, qual era o limite entre ser compreensiva e ser tola, como expliquei no meu desabafo, mas meu coração dizia que não queria mudar... que preferia ser assim...

    Posso dizer-lhe, querido Adriano, que tenho feito o mesmo esforço que você todos os dias, quando alguém vem me chorar as suas tristezas (o que ocorre frequentemente no nosso trabalho, todo professor é um pouco psicólogo não é mesmo?).

    Tenho me empenhado, como disse, na tarefa de tentar mudar a ótica das pessoas sobre as dificuldades enfrentadas, de fazer as pessoas mais felizes (mesmo que por um momento), de abrir os seus olhos para as dádivas que não enxergam, de levar um sorriso e um abraço fraterno àqueles que não sabem o que é isso, de chamar a atenção para uma Lua linda estampada no céu, ou para o belo pôr do Sol que temos por aqui, ao sorriso de uma criança..... Tantas coisas...

    Como você (e como qualquer outra pessoa), também passei por estradas adversas, em tempestades gigantescas, entretanto minha resignação e resiliência pouparam-me de muitos sofrimentos desnecessários, mas preservaram-me a capacidade de aprender com os que se apresentaram, por isso reconheço seu enorme valor e beleza.

    Posso seguir em frente sem medo de ser feliz, se me decepcionar aprenderei a lição e continuarei andando, sem deixar meu coração endurecer, posso ter serenidade e paciência diante das mais adversas situações, maturidade para fazer escolhas certas e bom humor para atravessar as horas difíceis, com a certeza de que tudo é transitório e o que é nosso está guardado.

    Vale a pena ser assim, pois hoje estou colhendo todo o amor que procurei semear, todo suor e lágrimas que derramei na inocente busca de ser o que eu acredito correto, salutar e digno (embora frequentemente incompreendida pela maioria).

    Sei que há uma força divina nos guiando e ela conhece nossa natureza, nos dá a porcentagem de sofrimento que precisamos para extrairmos algum aprendizado, (mesmo que advenha de caminhos estranhos e doloridos), mas logo nos presenteia com certeza e esperança renovadas para sermos ainda mais felizes, com coração aberto para amar, com olhos para ver, boca para dizer, ouvidos para ouvir, sentidos para sentir tudo de melhor que esse mundo nos oferece.

    Foi bem assim, fazendo exatamente isso que nós nos reencontramos. :)

    Quem sabe um dia eu consiga ser forte como a amiga da minha mãe, como a minha aluna, ou como a Kriss Carr... estou batalhando pra conseguir isso... Ser feliz independente dos fatos, sempre conseguir ver a beleza e acreditar mais e mais na vida, ter paciência quando a dor quiser me pegar e seguir semeando amor e alegria por onde quer que passe...

    Peço licença agora para ser um tanto quanto partidária, mas preciso abrir um parêntesis para dizer que é maravilhoso ver seu coração bater assim, e ser tão grande quanto você.
    Repito a minha profunda admiração por ser esse Grande Homem.
    Viu?! :)
    Obrigada! :)

    (Desculpe a menina espaçosa... rs)

    Beijos!

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  2. let's face the pain!
    obrigado pelo texto e pelo comentário da Marina, claro.

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  3. Luiz, meu caro, seu comentário foi ótimo!! "let's face the pain" resume essa estória toda, sem dúvida :-) Quanto ao comentário da Marina, já está atraindo mais atenção que meu próprio texto! Vou reclamar com ela, pode deixar!

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  4. Poxa....
    Sorry Dri...
    Já disse q podia deletar se quisesse... ;)
    O Luiz mesmo sugeriu que eu abrisse um blog meu só pra responder ao seu.. rs
    Não conseguiria atrair mais atenção do que os seus textos jamais... impossível...

    (Dri.. o Luiz é uma dos melhores leitores que existem nesse mundo... tem sua própria biblioteca e é extremamente crítico e inteligente... Têm poesias lindas e é super engraçado.. Pessoal especial.. sem dúvida... Tudo isso pra explicar o quanto o comentário dele é perticulartmente importante!:))

    Beijo beijo beijo!!!
    Obrigada Lu!!!!! :)

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  5. Estive hoje à beira de um ataque de nervos e de choro porque a Noruega é um lugar extramamente desafiador para qualquer pessoa que não seja norueguesa "puro sangue". Realmente é de resiliência que eu preciso para lidar com tudo aqui.

    Só posso agradecer a dica.
    Abraço.
    Carmen

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  6. Oi, Carmen!
    Bom saber que meu texto lhe caiu como uma boa dica. Resiliência é algo que se pratica todo dia, principalmente qdo estamos num país diferente. Estou na torcida para que tudo se ajeite por aí. Grande abraço a vc!

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  7. Nossa!! Que coisa linda!!
    Amei o seu texto, era tudo que eu precisa nesse momento, álias há tempos!! rs rs... Passei por uma separação dolorosa, e só agora conheci e compreendo essa palavra magnífica "resiliência".
    Obrigada Obrigada Obrigada!!
    Abçs
    Rose

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